7 de setembro de 2010

Independência do Brasil teve guerras, defendem historiadores

Em 1822, vestindo um imponente fardão imperial, Dom Pedro, cercado pelos Dragões da Independência, ergueu sua espada e disparou contra Portugal: “Independência ou Morte!”. Sem lutar, fundou ali uma nação. Bonito, mas a emancipação política do Brasil, comemorada neste dia 7 de setembro, não foi tão plástica e pacífica quanto sugere a descrição do quadro do pintor Pedro Américo (foto), tampouco isenta de conflitos. “Costuma-se dizer que não houve revolução nem guerras de independência no Brasil. Isto é um equívoco”, afirma o historiador da Universidade de São Paulo (USP), João Paulo Garrido Pimenta.




“Foi uma revolução do ponto de vista da construção de um novo Estado, baseado em um novo ideal político. Além disso, também existiu um enfrentamento para a construção de uma unidade”, explica a pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e editora da revista eletrônica Almanack Braziliense, Andréa Slemian.



Nas províncias da Cisplatina, atual Uruguai, Bahia, Piauí, Maranhão e Pará, partidários dos portugueses, geralmente comerciantes ligados à Metrópole, não aceitaram de cara a separação. Em Salvador, por exemplo, a independência só é comemorada em 2 de julho, pois foi neste dia, em 1823, que as tropas brasileiras conseguiram conter os pró-lusitanos.



“A independência do Brasil foi uma solução momentânea, porque criou um novo problema para as elites: a construção da unidade”, completa Andréa. Estava lançado o desafio: agregar regiões tão diferentes em torno de uma ideia nacional.



Pretendendo fortalecer união, vinda da Família Real favorece separação



Na parte espanhola da América, os vários processos de emancipação, iniciado com a Venezuela em 1810, resultaram em uma série de nações fragmentadas. Mas nenhuma outra colônia, conta a pesquisadora do IEB, havia acolhido a própria Família Real como o Brasil em 1808.



Fugindo das tropas napoleônicas, que já haviam invadido a Espanha no ano anterior, o príncipe regente Dom João VI desembarcou na colônia de mala, cuia e com toda a corte na bagagem para preservar a figura do rei e do poder concentrado em torno da coroa portuguesa. “Com a vinda da corte o Brasil ganhou outra estatura política”, explica o historiador da USP.



Pimenta conta ainda que em 1815, quando o Brasil foi elevado à condição de Reino Unido de Portugal e Algarves, a ex-possessão foi “ganhando ares de que podia governar a si mesma”. Para melhor administrar, a Coroa tratou de criar órgãos públicos, como o Banco do Brasil e a Imprensa Régia. Com isso, mesmo com o intuito de fortalecer a união entre colônia e Metrópole, a vinda da Família Real criou estruturas públicas para que o Brasil pudesse se administrar.



Mas com o fim das Guerras Napoleônicas, em 1820, a aristocracia em Lisboa se reestruturou, constituiu as chamadas Cortes, assembleias legislativas, e exigiu o retorno de Dom João VI, coroado rei de Portugal. Mais uma vez, ele optou pela unificação e, antes que as províncias brasileiras apoiassem as Cortes, retornou para também aprovar a mudança de regime para a monarquia constitucional. Para manter o vínculo no país, deixou seu filho, o príncipe Dom Pedro.



“A realidade inspira e não escraviza o pintor”



As elites viram no príncipe uma oportunidade para promoverem seus interesses políticos e manter os privilégios comerciais ante os portugueses, conseguidos com mudança do pólo econômico e administrativo de Lisboa para o Rio de Janeiro. “Dom Pedro era uma espécie de transição entre a velha e a nova ordem e por isso ele é mais facilmente aceito por diferentes grupos. Ele personifica uma certa estabilidade em meio a uma revolução”, explica Pimenta. Tanto que traços do regime anterior, como a escravocracia e a monocultura, foram mantidos. “Não existe revolução que transforme todas as coisas ao mesmo tempo."



O historiador explica que a Independência foi um processo que aconteceu ao longo de 1822, desde 9 de janeiro, o “dia do fico”, em que o príncipe rejeitou o ultimato para retornar a Lisboa, passando por 12 de outubro quando foi aclamado Imperador. O processo continuou até 1º de dezembro, quando Dom Pedro enfim foi coroado. Para Pimenta, tanto a aclamação quanto a coroação “são mais importantes que o 7 de setembro”. “O grito do Ipiranga, se é que existiu mesmo, foi conhecido por pouca gente. Os dados são muito escassos", afirma.



“O problema é a gente sempre pensar a história do Brasil como uma jabuticaba, algo que só aconteceu aqui. Todos os estados nacionais, além de criarem suas instituições, inventam sua história”, pondera Andréa.



Em um livreto impresso em 1888, em Florença, Pedro Américo conta a respeito da tela “Grito do Ipiranga”, onde destaca que “a realidade pode inspirar, mas não escravizar o pintor”. O quadro, segundo o próprio pintor, pretendia engrandecer e glorificar a população brasileira que nascia naquele momento, conforme o livro “O Brado do Ipiranga”, de Cláudia Valladão de Mattos e Cecília Helena de Salles Oliveira. O quadro foi pintado para o Museu do Ipiranga, construído entre 1885 e 1890 para celebrar a proclamação da Independência.

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